Na medida em que as forças que moldam nosso ambiente construído mudam, envolvendo, nesta mudança, tecnologia, redes e sistemas complexos, profissionais da arquitetura precisam visualizar mais do que o espaço físico; precisam produzir narrativas sobre como operar melhor dentro dessa nova paisagem social. Nesse contexto, a arquitetura especulativa parece nunca ter sido tão crítica. Este artigo examina os meios que atualmente questionam as condições do ambiente construído e explora novas possibilidades arquitetônicas.
A arquitetura especulativa investiga cenários para o futuro, criando narrativas em torno de como diferentes formas de agenciamento moldam o espaço e a cultura. Ela se relaciona, sobrepõe ou ressoa vários outros conceitos – do mundo da ficção, aos futuros do design e à arquitetura radical. No entanto, é uma atividade discursiva enraizada no pensamento crítico, questionando a prática e diferentes aspectos da sociedade e do ambiente construído. Ao analisar trabalhos de escritórios como OMA, MVRDV, Diller Scofidio+Renfro, FOA, fica claro que a influência da arquitetura radical e sua capacidade de imaginar diferentes futuros podem gerar inovações arquitetônicas. No entanto, percebe-se uma transformação histórica do discurso da arquitetura especulativa, que coloca a sustentabilidade e a tecnologia como principais temas das explorações radicais contemporâneas.
Parece que nas condições da sociedade contemporânea, o pensamento utópico e especulativo tornou-se mais formalizado. Explicando o que a arquitetura especulativa pode contribuir para a prática, o arquiteto Liam Young menciona como o Archigram foi o gatilho para uma mudança cultural significativa no pensamento da arquitetura por meio de ideias expressas de maneira instigante. Também argumenta que o programa de mestrado que ele iniciou no Sci-Arc é uma forma de estabelecer a arquitetura especulativa como um "gênero" e "plano de carreira", o que explica por que os equivalentes contemporâneos de coletivos de arquitetura como Archigram ou Superstudio se voltaram para a academia. Young enfatiza o papel inestimável da narração de histórias, dizendo: “Um arquiteto especulativo deve saber como contar histórias sobre cidades e espaços e lançar essas narrativas ao mundo com força o bastante para que ganhem tração”. No trabalho de Liam Young, as narrativas transcendem o pensamento do projeto arquitetônico e funcionam dentro do reino da ficção, envolvendo estruturas que operam em escala global.
Outra prova da inclusão do pensamento especulativo nas estruturas formais da academia é o think tank New Normal Speculative Urbanism, do Strelka Institute. Liderado pelo teórico do design e autor Benjamin Bratton, o objetivo do grupo é fazer a arquitetura avançar para que opere dentro de um novo paradigma, em sintonia com o novo contexto posto em marcha pela “computação global, análise de dados e governança algorítmica”.
A proliferação de bienais e exposições abriu espaço para especulações arquitetônicas fora da prática cotidiana. No entanto, os concursos de arquitetura e as chamadas para imaginar o futuro reúnem uma miríade de visões que muitas vezes se perdem nesta abundância de projetos e inscrições. É talvez uma questão de encontrar o meio certo para divulgar as ideias a um público mais amplo, escapando da câmara de ressonância da nossa profissão. O que é radical na arquitetura contemporânea? Quais são as convenções que os arquitetos tentam derrubar no mundo em rápida mudança de hoje? Estas são, precisamente, as perguntas que um grupo formado por 40 profissionais emergentes e já estabelecidos foi convidado a responder para a exposição What is Radical Today, organizada pelo Architecture Studio da Royal Academy of Arts no ano passado. Observando as obras apresentadas na exposição, a arquitetura radical hoje parece tratar de conscientizar o público sobre determinados temas, como as mudanças climáticas, bem como uma redefinição do papel do arquiteto, além de um aparente interesse pela tecno-utopia.
O que pode ser visto em todas essas manifestações contemporâneas da arquitetura especulativa é que mais do que seus precedentes históricos, elas vêm acompanhadas por uma série de evidências, dados e pesquisas que sustentam e validam o cenário proposto, não importa o quão viável sejam. Como Lola Sheppard, do Lateral Office, revelou, o processo da arquitetura especulativa começa “com uma pesquisa expansiva com a intenção de descobrir verdades ocultas [...] e muitas de (nossas) pesquisas iniciais originam-se fora do campo”. O coletivo canadense opera na interseção de arquitetura, paisagem e urbanismo usando "o projeto como veículo de pesquisa para apresentar e responder questões complexas e urgentes do ambiente construído". Os projetos e temas que o estúdio opta por explorar fora das comissões implicam um tipo diferente de operação e têm como objetivo expandir o agenciamento da profissão, bem como o espectro de questões com as quais a arquitetura se envolve. Sheppard, uma das fundadoras do estúdio, admite que os tomadores de decisão e a sociedade em geral subestimam o papel transformador da arquitetura e posiciona seu trabalho como um destemido questionamento dos mecanismos do mundo de hoje.
Outros escritórios de arquitetura desenvolveram ainda mais ramos de pesquisa paralelos, para satisfazer a necessidade de investigar novos paradigmas arquitetônicos. Paralelamente aos projetos de arquitetura convencionais, o OMA desenvolveu sua própria unidade de pesquisa, AMO: uma agência para o avanço do conhecimento da arquitetura e interação com outras disciplinas. O think tank também produz trabalhos comerciais, mas geralmente serve como um meio para definir uma agenda pessoal e seguir diferentes interesses de forma independente. Observando o ecossistema de forças que moldam a sociedade e investigando respostas a certas condições, o AMO desenvolve o que Koolhaas e Reinier de Graaf chamam de "trabalho de campo", envolvendo pesquisas, estatísticas e dados aos projetos desenvolvidos. Os trabalhos do AMO costumam resultar em produções visuais e textuais marcadas por uma narrativa forte e irônica.
Como os eventos recentes destacaram a necessidade da arquitetura expandir seu campo de agenciamento, vale a pena olhar para a prática especulativa como um meio de lidar com questões mais amplas. As propostas que flertam com as tradições utópicas do século passado, valendo-se de fortes recursos especulativos, representam um passo importante para reinventar o ambiente urbano e o cotidiano.
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